Fragmento e interrelações
Pedro Moreira Nt
O ser humano consegue ver por partes, em
pedaços qualquer inteireza com excessão de um "ver"
(não realmente
ver) abstrato, matemático.
Os iguais no
mundo real da vida, no cotidiano não existem.
Uma janela ao lado da outra janela são
muito semelhantes, extremamente semelhantes, no entanto, não são iguais. Há
nelas a ação do tempo, as marcas, a sua posição (norte, sul, leste, oeste), a
dinâmica do tempo de sua história. As janelas são diferentes até mesmo na
subjetividade de suas historiografias, de quem as pôs, como quando, e uma
infinidade de ações subliminares que as indicam em suas plenas diferenças.
Podem ser elementos de uma sequencia de
uniformidade, mas apenas podem ser semelhantes.
Pensemos em um edifício, ele é uma
totalidade evidenciada, mostrada tal qual se apresenta. Antes de ser um
edifício, antes de tudo, foi um projeto, um conhecimento colocado à prova para
que pudesse ser construído. Há a cultura que diz que um edifício tem sua
importância, sua razão de ser e até sua necessidade.
Mas uma coisa não é somente uma coisa, ela
necessita de se entendida, representada como algo coincidente com o pensamento
com o conhecimento.
O conhecimento como valor da história
humana se manifesta no modo de sua expressão cultural. Cultura e história estão
interligadas.
Toda coisa pode ser dividia em mais partes.
O edifíco é potencialmente algo que pode ser cortado. Ao optar, entre tantas
possibilidade o que vai ser cortado, realizamos um recorte (re-corte), e pode
ser pequeno, minúsculo que nem afeta em nada a personalidade e caráter do
edifício, pode ser maior, muito grande. Um acontecimento dessa natureza, de se
retirar um volume qualquer de um edifíco poderá ser identificado como uma parte
faltante ou não. Se for pequeno demais não se perceberá, mas se for maior é
possível que sim.
Potencialmente um edifício é uma estrutura
incorruptível, ele só pode ser ele em sua totalidade, isto é, com tudo que o
conforma, com todas as suas partes.
Ao retirar uma delas ele pode perder a
personalidade de edifício e ser parte de algo ou se mostrar que algo é faltante
para a sua inteireza. Quando há o corte o edifício tornar-uma parte, ele deixa
de ser aquele todo. Mesmo a mínima parte. Acontece que não percebemos o que lhe
falta, de forma que continuamos a chamar de edifício.
Mas, de um pensamento radical, diz que se
houver falta de algo a coisa não é mais a mesma coisa, ela pode ter o
significado edifício, mas o sentido é outro. Um edifício que falta uma janela,
um edifício que falta um tijolo, que falta tinta, que falta algo.
Assim uma parte
retirada produz duas partes que podem ser complementares.
Porém não se complementa mais. Não há como
devolver a janela no mesmo lugar se acrescentar argamassa, sem perder partes,
como também um tijolo, e a tinta também, não se devolve a tinta retirada,
necessita-se pôr outra, em outro tempo, em outro modo, com outras
características, outra história, em outro momento relacional desde quando o
edifíco foi feito.
Retirou do lugar, não dá para colocar de
volta. Por isso a s nossas relações com o espaço, com os objetos, com os bens
sociais da cultura em nossa história de vida está sempre modificando.
Por mais que se faça o melhor possível para
pôr o livro na estante, o caderno na pasta, ele nunca estará integralmente,
completamente perfeito como da primeira e única vez que o tivemos lá.
Tudo muda, tudo
ocupa espaço e tempo diferente e isso se dá o tempo todo.
A vida feita em partes que não mais se
encaixam possuem um modo de existir do conhecimento da cultura, do movimento da
história que se transforma. Aceitamos isso para poder viver em paz, para
entendermos que vivemos em processo. Jamais estanques.
Como nada está parado, o mundo gira, o
universo segue um percurso, mesmo as coisas aparentemente paradas jamais estão
fixas, finalizadas. Consideremos também a deterioração, as coisas, assim como
os seres humanos também findam. Nada é estanque, estático, e para sempre.
Podemos fazer paliativos, disfarçar as
marcas do tempo, passar uma maquiagem, fazer uma reestruturação com novas
tecnologias, mas mesmo elas também não duram.
Da mesma forma, assim como as coisas
aparentemente paradas, o que potencialmente, o que pode ser dividido continua a
ser dividido. Se é possível que se divida, que se imagine que possa ser, então
pode. Pode mesmo ser uma abstração, mas é sempre, desde o momento que se
dividiu que não pare mais.
De qualquer forma, o corte que podemos
realizar torna-se, de forma abstrata,que não mais se extingue, um pedaço, um
fragmento, uma parte ínfima.
Quando o edifício é cortado em tantos
pedaços que não se sabe que parte é essa, que peça é, chegamos a um estado de
desconhecimento do que seria a sua totalidade.
Encontramos um pedaço de um reboco e não
conseguimos imaginar onde ele se encaixava.
É praticamente impossível remontar ao
passado de um fragmento e estruturá-lo.
Uma parte é
apenas uma parte, por si mesmo uma totalidade.
A totalidade do que seja: um fragmento.
Esse fragmento, essa parte ínfima pode até indicar de onde veio, faz pensar que
seja de algo maior, sabemos até o que
possa ser, mas não temos certeza de nada.
O desconhecido
pode ser até entendido mas nunca complementado.
Perdeu-se da origem, o tempo, os modos, as
formas, as características, a personalidade da coisa que o complementaria, e
não temos mais como retornar.
Assim é a memória da infância, mais o que
acreditamos que seja de uma vida vivida, de história compartilhada, de culturas
desse momento. Nunca a infância propriamente, aquela que vivemos, mas a nossa
memória transbordada em sentimentos, em imagens que se desfazem.
O ser humano caminha em partes, pensa por
partes, no entanto sabe que é uma totalidade de todos os homens vivos porque,
afinal de contas, ele pensa isso, ele é um sujeito no mundo em transformação,
no movimento da cultura que se modifica e na história que nunca pára e jamais
segue igual.
Como parte do mundo, o homem é o mundo de
todos os homens em todas as suas diferenças.
Vivendo em uma ilha solitário, distante de
tudo o homem que sempre social fica mal, fica triste, não entende mais a vida.
Porém, ele sabe que o seu pensamento é uma fala constante de vozes, de
conhecimentos que indicam que ele é parte do mundo, do mundo do conhecimento,
da vida social, de sua cultura, de sua história.
O homem só é um
sujeito sujeitado à miséria de si mesmo.
O que nos faz humanos é sermos
potencialmente partes de partes, partículas que se integram através da
consciência, do pensar, do expressar ao elaborar e devolver ao mundo social o
conhecimento.
Não existe humano sem história, sem a
lembrança do que foi, sem vontade do que possa vir a ser.
O trabalho faz o homem social, ele realiza
algo que servirá a outras pessoas, ele planeja isso, busca ajuntar, modelar,
criar, inventar algo que alcance objetivos na vida dos outros seres humanos, e
faz isso pensando nele, na singularidade dele, do jeito que é para produzir o
que somos, seres de compartilhamento, seres em transformação através do
conhecimento.
Um todo não é
um todo, mas o ajuste de todas as suas partes.
Todas as partes em separado não realizam o
todo porque o conhecimento não é estanque, fixo, parado.
Quando copiamos as coisas, quando fazemos
uma cópia, queremos entrar em conformidade com o que existe, queremos represar
o conhecimento. Mas todo mundo sabe tratar-se de uma cópia, de uma reprodução e
nisso não tem novidade alguma, não possui nada a mais de criativo, que possibilite
um aprendizado a mais.
Há copistas magníficos e beleza de todas as cópias quando deixam de ser uma fraude para se tornar técnica.
Reproduzir tal qual, uma tentativa de sequenciar uma estética, de um uso uniformizado. Uma programação seriada que em seu todo é única.
A beleza de uma receita que produz aquela torta, aquele carro, aquele piano, enfim, não deixa de ser belo. No entanto é contingência de sua quantidade e qualidade intrínseca que a faz única mesmo e quantidade tecnicamente reprodutiva, seriada, como caixinhas de verniz pintadas.
Diferente de reproduzir por não querer correr o risco de realizar o inédito.
A reprodução tenta guardar as coisas como
elas foram um dia, fazer de novo o já feito.
A diferença alimenta a existência humana
com novos v
alores, com a ética das escolhas por sempre revolucionária.
A diferença é o
caminho de todas as horas que hora alguma pode marcar.
A igualdade é a qualidade que podemos
dar ao semelhante com todas as suas diferenças.