Pular para o conteúdo principal

As frases inatas

As frases inatas
Pedro Moreira Nt

Retornamos sobre nós mesmos a descobrir que o distante é perto, e o que colhemos pelos caminhos são lindas meias-verdades. O quanto pode ser pequeno o que possuímos, sentados sobre nós mesmos, sentados sobre o fardo comum descobrimos que caminhamos o universo imenso mas o que temos de tão pequeno é a beleza puljente das verdades verdadeiras.
Pegou a mais bela pasta e se encaminhou para a reunião de apresentação de seu projeto. Notou naquele momento que havia trocado, que na pasta estava o rabisco maluco de um plano. Mas era tarde, aquela mulher séria, carrancuda com um lápis vermelho nas mãos, pronta para marcar o que não interessava olhou com a cara de espanto.
Era o fracasso, o tempo jogado no lixo. O que podia fazer era ser polido, levantar-se, fazer alguma menção de desculpas, algo como: entrei no gabinete errado. 
No momento em que se precipitava a dar no pé, no exato instante em que se apoio na cadeira para fazer o giro triunfal de perdi, mas ainda tenho equilíbrio. Foi que bateu a canela na base da escrivaninha e o copo de água que fora servido em um cálice jatado caiu. 
O horror de ver que ia virar uma tragédia sem precedentes fez a inércia e saltou e pegou o copo. Parece que mais que esquecer foi o desequilíbrio obrigatório para alcançar a taça antes que espatifasse. 
Piorou, pensou por alguns segundos antes de se erguer. Ainda mais, muito mais foi descoberto que a gerente com aquela cara de aço inoxidável estava descalça, que do lado da cadeira de rodinhas tinha um cachorro do tipo dinamarquês que olhou para cara dele abrindo a boca. 
Tonto, ergueu-se com cautela e bateu suavemente o rosto na quina que fez cair o óculos que tentou segurar que derrubou o copo e que, por fim, segurou pelas pernas. O mais chato, eu acho foi que buscou sentar e a cadeira de rodinhas rolou e desabou. Dessa vez pensou. O azar deve ser isso. Nem terminou de concluir sua análise do caos o bicho veio em sua direção, gigante, malhado, franzido, e lambeu a sua cara. Morri, perdi a oportunidade da minha vida, estraguei tudo e agora serei devorado por esse monstro.
Viu o rosto da moça surgir por cima do tampão. Ela o olhava com um jeito tão absurdo que não mais sabia o que dizer, pensar.
Gostei, vi que já são amigos. E é isso mesmo que eu preciso. Adorei que não me trouxe um projeto tradicional. Com o jeito que você estava, até imaginei o óbvio, mas vi que tem mais que esqueleto polido aqui, tem vida. Começa amanhã, vamos mostrar o atelier que é aqui do lado. 
Saiu de trás da mesa com uma sapatilha, chutou os cacos de vidro, passou do seu lado como se nada estive acontecido e acontecendo com os novos amigos enrolados no carpete. Por fim levantou-se, e o mundo inteiro destroçado se ajeitou, e mesmo não se importou com a marca que a água deixou da barriga ao s joelhos, e cumprindo o desígnio de um amigo cão, o abraçou ternamente antes de entrar no mundo real de seus sonhos.
Se a vida fosse um laboratório nós teríamos experiências, provado os nossos mistérios e os feito uma realidade consistente com testes realizados.[1]  
A experiência adquirida, como se diz, provém dos acontecimentos fortuitos, dos achados, de encontros, e, em geral acontecem nos lugares mais inauditos, fora de questão a nos provocar a vibração interna que, como um vulcão faz possamos dar os nossos  gritos de eureka[2]. Para não passar por uma situação tal como se conta do autor do grito, a minha sugestão é se utilizar de papéis de anotação, aproveitar um meio tempo livre e rabiscar, marcar  o que vem à cabeça.
O cérebro adora vadiar como diz Clementina de Jesus. Quer ficar tranquilo, mas está o tempo todo alerta, mobilizando imagens, provocando gostos, vontades, levando a gente para a confeitaria, para um passeio, para deixar para depois o compromisso que temos. 
Para educar o cérebro, nada melhor que fazer com ele o que ele faz com a gente: bagunçar a vida cerebral, tirar do sério – que para ele é festa -, e pode ser mesmo criação de fantasmas, de insegurança, baixo autoestima ou o seu contrário como se deu com Mozart que vivia radiante, festivo, estonteante e esquecia de comer, de tomar água, de se proteger obrigando a amigos implorarem para que fosse descansar, e a sua Constança, esposa  tão amada o ajudasse-a comer.[3]
A Pedagogia do Sensível possibilita que o imaginário seja incrementado em um sistema de relações entre saberes, sejam qual forem, a promover a percepção, reconhecer os índices que se apresentam a serem interpretadas e representadas em seu referencial através do qual pôde capturar, e mesmo conceber significados, a um estado crítico[4], em que se manifestam como sentidos, e a produzirem um mapa estruturado do circuito que realizou, estruturando de forma interna, subjetiva, do que planifica e possa projetar ao mundo exterior como recompensa humana a serem colocados nas relações, válidos ou não, r


[1] Os livos de Nassim Nicholas Taleb trata disso, de um conformismo treinado desde que despertamos. Vemos os eventos acontecerem com a certeza de que está na cara, e nem imaginamos que há probalidades que se relacionam, Segundo o autor, entre 90% e 10%. 
[2] O grito de Eureca veio da descoberta  da relação massa de um metal, no caso ouro em relação ao volume de água. A grande descoberta veio no momento em que Arquimedes tomava o seu banho. E conta a historia que saiu da banheira para a rua gritando descobri, eureca (Grg.).  Tamanho foi a sua surpresa.
2 Stendhal escreveu um dos mais belos livros, “A Vida de Mozart”, e há um outro, que bem traduz esse encantamento, “A Viagem de Mozart a Praga” de 
4. A crítica é como uma onda que chega ao seu ápice, que sem como retornar, sabe-se que se esparge, desambígua-se das águas volúveis do pensamento, do que a levou ser onda. E a planear ao plano de sua trajetória, em toda sua extensão de tamanho, forma, peso, em todas as suas dimensões e força a se direcionar, levado, precipitado, em sua manifestação,  em sua inteireza de onda do mar que quebra qualquer outra possibilidade a ser conhecimento projetado, de saber à terra.

Postagens mais visitadas deste blog

A gente, aqui em casa

  para Sara A gente aqui em casa não fala do diabo para não atraí-lo. Nem mais acreditamos no bem, isso porque a Esperança se transformou em fila de atendimento. Também não discutimos a existência de Deus, renunciamos a qualquer informação por causa da água estagnada que os mensageiros bebem e, em seguida, cospem em nossa cara. Debates sobre o provável, o primeiro telefone acústico inventado na idade mais selvagem, a existência da arte, a bondade de um beijo e a flecha no coração, a revolução da miséria humana e a democracia, a ditadura como gancho de emergência do trem da história, mas apenas falamos ao léu. Somos desarvorados, diferente dos desertos verdes das plantações comuns, e esquecemos os motivos, as razões quadradas e numerais de doutrinas, de teorias do entendimento. Nossas falas, narrativas a exibir nossa existência caem no fundo fácil das armadilhas, e assim, simulamos que deixamos a vida, encolhidos no fundo dos questionamentos para não ofender o óbvio, para que não venha

Arquitetura do passado no presente

     Há lugares com mais de seiscentos e vinte e três castelos, testemunha ideológica da história.  A permanência, fulgor de eternidade, posição geométrica de onde se crê a continuidade da paisagem, de uma extensão visível de um fim à distancia, de algo inalcançável. O bicho quer ficar, enfiar os pés no terreno, rasgar a terra e ter raízes. E também quer pular o muro do infinito, saltar o horizonte e se apossar de qualquer torrão onde for caminhar o seu olhar. Amarrado aos sete lados, dimensionado ao mesurado  arquitetônico de seu cubo.      Estético, se diz inovador, estático, a expressão de um amontoado à bricola do formalismo. Dar a si o mundo, cercá-lo até tudo o mais ficar amarrado, cheio de si. Paredes de terra quente, vidros gelatinosos, duros, mas fleumáticos, comem a paisagem num anti-reflexo, e gira mundo, e o visto engolido que é sempre outro.  Terrenais estruturas no desmazelo ordenado da cultura. E dura nada essa eternidade tardia, vêm cansada, carrega consigo todos os des

OLEG FATEEV e SIMONE SOU

Oleg e Simone puderam emocionar o publico nesse maio no Paiol. Pouco divulgado, porém bem recebidos. Oleg com seu bayan, um tipo de acordeão cromático desenvolvido na Ucrania e Rússia, possui uma sonoridade um pouco mais lapidada do que o acordeão conhecido e com inúmeros registros. Um belíssimo encontro entre artistas. Simone Sou totalmente entregue ao espaço do palco, movimentou-se com total naturalidade entre um instrumento e outro que desenvolveu com técnica certeira no tempo e rítmo. Causava um bem estar saber que tudo funcionava em um belo jogo sonoro compartilhado.