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A PARTIDA EM OKURIBITO EM SEU RETORNO



          
           Okuribito é um filme que o ficar é compreender pela tradição a arte de se despedir amavelmente de quem se ama. É um preparo interno/externo tanto dos que ficam quanto daquele que segue em sua partida.
           A contenção emocional implícita no violoncelista que não consegue permanecer no sonho de músico de uma orquestra é revelada no final quando assume o fato de ser um filho abandonado, quando se descobre no outro (o desconhecido amado) e o leva a caminho de sua partida.
            A sutileza que o filme emprega no trato educação de uma profissão e a revelação de um trabalho sentido, de algo que se faz e há nisso um orgulho materialista definitivo de que o sujeito é fonte e fim definido de sua capacitação em realizar algo que pode simbolizar a sua necessidade humana pela ação no trabalho.
             O trabalho só poderia promover o sujeito em sua esperança de continuar ativamente em uma profissão se pudesse responder explicitamente que se é no trabalho quem se é na vida. O trabalho de A Partida é um trabalho de morte que se faz em vida.
              Retirado a questão do preconceito, o medo do novo e não usual, as dificuldades inerentes a um trabalho de preparação de cadáveres para a despedida e junto aos familiares, compreendendo uma situação de luto e de uma psicologia do luto, de um tanatos internalizado. A Partida mostra superação da dor pela tradição, fundeando no sujeito um estado de espírito de revelação pessoal, de um insght frente a morte.
               O saber e o como fazer da profissão um estado de valorização da vida ante as dificuldades da personagem em busca de meios de autonomização produzem, frente à modernidade em sua partição do conjunto tradicional estabelecido, uma luta pela manutenção da ação responsável, de se ter em mãos os meios de se realizar algo que é reconhecido como proveniente do passado se estabelece no presente com a sua razão. Nesse sentido o filme educa a nos valorizar profissionalmente, de se manter num foco de atuação de responsabilidade sociocultural, de pertencimento e se fazer valer pelo que se é e se faz.
               Os processos globalizantes, a modernização dos meios, a fragmentação do sujeito no tempo e em sua história cultural são colocados em cheque pela ação simples de um jovem que realiza um serviço complexo, profundamente entregue à responsabilidade. O que faz a dignidade do sujeito não é o trabalho, mas a sua relevância conquanto atua condignamente no que realiza.
                Ricardo Antunes em seu livro Adeus ao Trabalho proposita esta marcha lenta de desintegração da atividade do fazer com as mãos e ser reconhecido pelo que faz, a protagonização do fazer no filme é uma retomada espelhada da cultura e sua importância na vida dos sujeitos.
                 No final, o enterro de um pai, de um ausente que é tratado com o respeito que se tem por alguém que parte, e uma partida que por fim, e de fato, um retorno.


Direção: Yôjirô Takita

Roteiro: Kundo Koyama

Elenco: Masahiro Motoki, Tsutomu Yamazaki, Ryoko Hirosue, Kimiko Yo, Takashi Sasano, Kazuko Yoshiyuki


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Pedro Moreira Nt

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