Pular para o conteúdo principal

A casa de Zeira, Moró e Mara

 





   Depois da festa pegaram a garupa, vieram pela estrada lenta, desceram os cafundós com a permissão, era o documento da terra, um carimbo e uma garrancheira de um tal. O que era longe? O que podia ser? Chegaram lá. O córrego limpo e o rio barrento. Havia uns bichos soltos que apareciam se lá que horas fazendo fuzarca no terreiro. Desceu a lenha, fez o fogão para rogar à divina bondade que não inventasse gente torpe que lhes tirasse o sagrado.

    Cuidar da prenha para não perder o leite. E aquietar os cães na polenta e as carcaças. Depois de descer o bambu fazer correr a água mais perto. Nivelar a parte e começar a cavar para ajustar as pedras. Amarrar bem no barro branco com palha de milho e cinza da fogueira, é o que mais segura o estuque. 

    Ajeitou o telheiro num canto para morar durante a construção.

    Ela havia riscado os cômodos. Baixavam o barranco para levar terra pesada, argila fina.

    Arrumaram o campo, plantaram milho, o capim gordura mais lançante, onde foi o telheiro gradeou uma tulha erguida.

    Madeira foi buscada no corte lento da bica. Demorou para chanfrar e polir na areia. Deixou no fumo baixo para não pensar nada. Madeira que pensa vai na água, trabalha, e é complicado. Juntou para queima as galharias menos mansas, fez de trançado amarrado no cipó, levava mais e mais madeira picotada no boné miúdo que guardava o coco, sem fieira nem laço e aba, um trequinho desengonçado. Ficou barbudo porque não conhecia lá bem nem banho nem água. Falava rindo a esposa estava aguardando, a Dona Zeira, ele com o cangote sujo, apinhado de barro seco, fazia sentado o fumo, 

    Fez na pua os buracos onde bateu na gordura as cavilhas, as partes largas debruou firme na mão o tornel em seu encaixe, tarracha esguia e bem, deixando parte fora da aroeira. Nas dobras colocou cunha bem liza, e no meio ainda marcou algumas cavilhas, principalmente para as portas e as janelas com tramelas de puxar na corda. Assentou tijolos também, grossos, quase de quarenta. Amassou o barro e foi cozinhando no açúcar, fogo brando, do lado e mexendo marcando tempo, depois enfiando nos comes dos encostos de uma vara para outros, dando umas curvadas, tensionando o freixo amarrando mais um pouco. Isso, assim, apertava, vai ficar bem acertado, dizia alisando com o braço, não dava tempo. 

  Durou mais trabalho ajeitar as dobradiças de ferro com seis entradas, uma dupla de escatel, tudo torneado de dentro a grupa da chaveta, bem de encaixe no parafuso para cada umas das quatro janelas, e no prumo. No fim colocou nas vias o eixo no calibre. Passou graxa em tudo.

    Mais tarde, depois que deu umas rachadura, trouxe argila branca, cozinhou umas madeira resinosa, manchou no açafrão e foi fazendo de segunda de mão, terceira, engrossou, até que tudo estava.

    Subiu na cumeeira e foi recebendo de Zeira os punhados das madeirinha, as telhas que dormiram no betume, uma por outra, medindo na prática.

    Foi que ficou pronta a casa, a criança nascido com seu nome mudado, Maró para Mara.

    Gostou disso, e  cresceu. A terra floresceu, veio o tempo, aquilo tudo que era nada.

    Aquele nada, a cosima prometida, a terra de céu.

    Depois de quase desaparecer o sentido de viver no planeta, veio uns da terra dele. Viram a construção meio cambaia, um tanto distraída, ali perdendo a junta, do outro lado um e outro quebrado. No geral de vista grossa, era aquilo. Bem feito.

    Ficaram pelas bandas uns seis meses ajuntando papelada. Levaram com toda a terra do terreiro. Foi a casa de estuque, todas as plantas de envolta.

    Está lá, sei como, para visitar, o povo de lá visita. 

   Não sabe nada de enganhadura da choça, estuque nenhum, de varada, nem conhece amarração de estribo, aperto de contraz,  repuxo, lenheiro de fivela, batoque de aninar carrão do alpendre, e mal se apega na tulha trançada, nem isso. Serve para ensinar os alunos a fazer casa. Acho que é proteção do meio ambiente deles. Vê que coisa, a casa deles. Eu vi num panfleto com umas letras misturadas.

    Desse jeito. É. Está lá. Foi de carro daqui. Bem daqui onde ficou esse nada. E depois seguiu rumo. Foi um desse navio que é maior que levou, interina. Não faltou nada.  A casa de Zeira, Moró e Mara.

#######

Charlie




Postagens mais visitadas deste blog

A gente, aqui em casa

  para Sara A gente aqui em casa não fala do diabo para não atraí-lo. Nem mais acreditamos no bem, isso porque a Esperança se transformou em fila de atendimento. Também não discutimos a existência de Deus, renunciamos a qualquer informação por causa da água estagnada que os mensageiros bebem e, em seguida, cospem em nossa cara. Debates sobre o provável, o primeiro telefone acústico inventado na idade mais selvagem, a existência da arte, a bondade de um beijo e a flecha no coração, a revolução da miséria humana e a democracia, a ditadura como gancho de emergência do trem da história, mas apenas falamos ao léu. Somos desarvorados, diferente dos desertos verdes das plantações comuns, e esquecemos os motivos, as razões quadradas e numerais de doutrinas, de teorias do entendimento. Nossas falas, narrativas a exibir nossa existência caem no fundo fácil das armadilhas, e assim, simulamos que deixamos a vida, encolhidos no fundo dos questionamentos para não ofender o óbvio, para que não venha

Arquitetura do passado no presente

     Há lugares com mais de seiscentos e vinte e três castelos, testemunha ideológica da história.  A permanência, fulgor de eternidade, posição geométrica de onde se crê a continuidade da paisagem, de uma extensão visível de um fim à distancia, de algo inalcançável. O bicho quer ficar, enfiar os pés no terreno, rasgar a terra e ter raízes. E também quer pular o muro do infinito, saltar o horizonte e se apossar de qualquer torrão onde for caminhar o seu olhar. Amarrado aos sete lados, dimensionado ao mesurado  arquitetônico de seu cubo.      Estético, se diz inovador, estático, a expressão de um amontoado à bricola do formalismo. Dar a si o mundo, cercá-lo até tudo o mais ficar amarrado, cheio de si. Paredes de terra quente, vidros gelatinosos, duros, mas fleumáticos, comem a paisagem num anti-reflexo, e gira mundo, e o visto engolido que é sempre outro.  Terrenais estruturas no desmazelo ordenado da cultura. E dura nada essa eternidade tardia, vêm cansada, carrega consigo todos os des

OLEG FATEEV e SIMONE SOU

Oleg e Simone puderam emocionar o publico nesse maio no Paiol. Pouco divulgado, porém bem recebidos. Oleg com seu bayan, um tipo de acordeão cromático desenvolvido na Ucrania e Rússia, possui uma sonoridade um pouco mais lapidada do que o acordeão conhecido e com inúmeros registros. Um belíssimo encontro entre artistas. Simone Sou totalmente entregue ao espaço do palco, movimentou-se com total naturalidade entre um instrumento e outro que desenvolveu com técnica certeira no tempo e rítmo. Causava um bem estar saber que tudo funcionava em um belo jogo sonoro compartilhado.