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Dialética poética

 



    Vem antes da escrita poética a dialética, as

sombras intensas tomadas como arranjo,  E toda metafísica da poesia, de seu além físico se materializa através de uma concreção subjetiva que assume o pensar com as emoções. Dela consente que o afetivo se efetiva como valor memorial e se extrapola ao ser comunicada. 

    A imagem insólita ganha qualidades ao se interpor, ao se identificar com o poético. Nada dura das passagens eleitas, os lugares aonde andam nossos pés.  A calçada ao largo do relógio parado, na esquina das maledicências, no elevador que tudo deposita em caixas no aglomerado retilíneo das geometrias reguladas.

    Muitas delas copiadas ao rés do chão das formalidades aceitas, e isso de reproduzir se torna um império que quer inovar, o lugar comum em que o novo se enovela tentando destituir a sua carne.

    Mas ali está e se vê prontamente que não saímos longe do pós-guerra, ao menos daquela última e segunda.

    Não se quer bem nem à poesia e nem ao poeta, atrapalham a vida confirmada do óbvio, cansam as taramelas oleadas, o quieto dos sinos das portas, as aldravas metidas à porrada. Enchem a paciência da idiotia, dos carmas semióticos que bastam levantar o dedo, de patrões carregados aos intestinos, enfezados contra a deformidade.

    Por isso pedem licença, se rebaixam, deixam os sem-sentimento se apresentarem, cantarem a ladainha das rimas puras, ou consignarem um dito ao desdito. Ninguém desses suporta ou dá suporte ao poema, ao inimigo do bom-senso, das amizades congeladas, da cínica existência submetida.

    A poesia destrói essas ordenações, essas demolições recuperadas no formalismo de época, dessa certamente. Não que carregue um descritivo suficiente ou  gramáticas ajeitadas, queira ser mais do que não é.

    Quanto ao poeta, que morre na fome ou sem ar dá no mesmo, está fora da canastra, vai brincar de bingo, tentar uma marquise ou se aconchegar no lixo, quem sabe dar aulas, seja no colégio formal ou nas universidades, viver das custas de que o ignora.

    É só ver os cordões invisíveis, para muitos, que a cidade constrói, o imobiliário das lotações e o vazio das bibliotecas, e senão isso o porto das falas estrangeiras ou do ritualismo teatral que se ocupa das canções imitadas dos povos, das gentes com sabedoria e sem lugar. Chamam a essas analogias tristes, a essas comparativas formulações de vida, atentado às revoluções.

    Fica lá a comida para os que tem garfo e faca, sem prato, sem lugar à mesa.

    A poesia no antepasto do conhecimento, dessas regras morais de ganhos em causa, de vantagens ou estabilizadas noções de beleza estética, cai fora. A sensualidade dos ambientes, como sensível e naturalmente agradável é substituída por violências, destemor, como revolta ou descaso.

    E há quem defenda a miséria dessa pedagogia híbrida em que a alma que se move, os sentimentos estejam operados por uma receita didática, que seja assim mesmo, que o amontoado de lugar-comum se faça dignificado.  

    É que ando lendo as críticas, essa mais creditadas dos jornais arrumados, folha a folha. Nesses que torcem o nariz enterrados no esgoto das certezas absolutas. Faço isso, não por ódio a mim, ou por uma extrapolação da vaidade, uma hipocrisia de templo cheirando a talco e suor.

    Não, vou em busca de um fio da meada, e vezes encontro no ponto final. Assim, de relance aos enganos.

    O poeta, subsumido a essa portentosa materialidade desgastada de empolamento, de esteticismo, de ornamentos alegóricos a temas históricos, um passado jamais findo, mantido no cordame das visões fleumáticas da vontade, - que por isso não criam -, devido a esse esvaziamento do pensar.

    Acabando por se tornarem metaforismos, ou máximo conteúdo definido, coisa de natureza de rotunda, lacuna ou esconderijo, se apresentam como verdade. E sinto, a poesia não é verdade, se fosse a lógica formal, ou a comprovação de um ganho em causa, resultado quantitativo, média de significados.

    A transcendência iria até a quitanda, ou ao motel, e viveria nas lástimas do provisório.

    Água em remoinho, magnetismo que une e separa a mesma liquidez que a leva, lava de transparências que jamais se instalam ou se apegam a um fim, a poesia possui esse contínuo que nos põe no vácuo, ou além dele, do outro lado do abismo meritório, das cerdas polidas, da gravata bem posta, ou pior, para ser menos eloquente, no além de nós em nós mesmos.

    E a terra que carrega a luz das partículas, as dunas quietas e dinâmicas, fogaréu em fumaças repondo as planícies a partir do altar de suas alturas, remete-nos aos horizontes quase todos os quatro perdidos. Assim devemos reivindicar os muros do fim de um mundo, como pedir que fiquemos encerrados em um planisfério para suportar a carga poética que nos drena.

    Sabe, parece que andamos todos de moletom, comemos no mesmo jazigo, ou cremos que o restaurante das idéias não tempera o alimento. Amarrar na estufa a calça jeans para da um acabamento terreno, de trabalhador na luta pela sobrevivência, uma indignação que dorme no asfalto. 

    Um perigo de ser atropelado, de alguém ainda frear sobre nós como se fossemos quebra-mola. A penitencia ovular das ditaduras. Temos essa reminiscência, esse custoso levante para o freio, um aviso com riscos de sobrevivência, deviam chamar de trincheiras das passagens, bloqueio dos sentidos. 

    Esse interno feito de pedras  batidas, vez e outra é corroído pela palavra, por seu verbo carnal, de uma carne que se dissolve na alma com afetividade. Havemos de nos impor às experiências tais que tenhamos como construir nossas lembranças, para enfim reivindicar além do significado dos pedaços que se dispersam alguma inteireza, algo que massivo nos recompõe, faz os entrelaços de nosso caminhar.

    Assim como aérea, elevada a um desvio na aragem que nos leva, pudéssemos de alguma forma gerir essa potência, de não sermos arrastados sem os pés no solo. Mas se sabe que pés de arado, jogado no espaço, além das cortinas arrumadas, celestiais.

    Podemos ainda no vazio completo encontra nossos hemisférios, saber para onde vamos, mesmo que não tenhamos todo o controle, mas que nos dignamos a seguir a correnteza do ar e das atmosferas silenciosas do infinito.

    A realidade é tão viral, microscópio estado, que entrado na poética não a reivindicamos, nem conseguimos nos aliar das certezas chatas, das condições corretas, das falsas purezas que administram ou tentam persuadir por espelhinhos mágicos nossa memória. Revitalizamos com a poesia algo que se dispersa no cotidiano das metas finais, conseguimos nos ater a um bem que não está presente no imediato se pressentir algum segmento, a esperança de continuar. Ver o real causa fadiga. 

    Por que simplesmente retomar ao fedor como agressiva metáfora de uma poesia que apodrece, que se vê a todo olho visto a sua duplicidade escarninha, fulgural no sentido mais emblemático que o simbólico por si só diz: a coisa, os prazeres e desprazeres como alegria, o corado mundo das mesquinharias, da mais baixa vontade humana de um egoísmo cruel, reproduzido ainda mais, feitio de calabouços e sofrimentos que nada transcendem, sangue derramado como uma poça, coisa  defecada de poucos sentimentos, de nenhuma escolha, de produto ramificado que se possui como pessoalidade, resultado medíocre entre opções da mercadoria, da pequenez das opções.

    E se nega à poesia a sua transparência, os cristais de luminosidade, o fogo sacramental que ilumina as sendas de nossa ventura.

    Viver sem poesia, ser esmagado por mãos mecânicas, obedientes às etiquetas e ao conformismo dos modos, das modas, e morrer estrangulado em um shopping, devorado em um supermercado, dilacerado pelas ruas patinadas, feitas por augures legais, pelo santo ofício contemporâneo, ser completamente picado à  bala perdida, naturalizado no açoite do legalismo, da vida encaixotada. Triste fim da humanidade, que mal se despede e sabe, sabe muito bem de sua partida. Vai sem ticket e sem recibo, entra no túmulo vivo das mesmas coisas.

     Os que não lêem, os não leitores, em sua maioria estão ocupados com a administração dos bens, sejam eles de todos, os públicos, quanto possam ser privados, a privar definitivamente qualquer signo. Qualquer invasão ao templo do mundo subsidiado, apoiado, com carimbos e legendas, slogans que dizem que possui gratuidade, porém é caro e não raro. Homero não lia, ouvia e cantava o que criava. Sabia de onde partia e nunca onde chegava.

    A arte poética não entra por essas linhas desdobradas, não tem mérito, é desconhecida até mesmo de seus mais profundos algozes.

    E se alguém lê para os que não lêem, se alguém conta o escrito, mesmo na pujança de uma voz amiga, ataca sem querer as almas duras. Talvez atinja seres líquidos feito das poesias livres, possua em si os campos calejados, e possa por temperamento se ater, ouvir o poema e senti-lo, sobrevoar, mergulhar, derreter os gelos e aquecer a casa do pensamento, transforma o óbvio em assentamento, em terras compartidas, em tesouros descobertos, indo ao vento que uiva, que como o cão do rebanho assinala para onde vai.

    E que mais acostumado às rimas, e aos cantos, e essa musicalidade em uma cadência de tambores de corações ainda possa dançar e chorar outra vez, voltar com todos da comunidade para dentro de si, e aconchegar as diferenças alegrando a vida.

    Nada disso acontece aos normativos, no trilho dos interesses, os bons vantajosos que possuem o semblante duro nas figuras de uma praça. Eles, creio bem, que a poesia os afronta, como um mistério dito em outras línguas que mais não possam cumprir a tarefa de um ser que executa as ordens e segue os compromissos porque deles terá de um grupo qualquer reconhecimento, um tapa nas costas, um aceno - e isso se for higiênico, limpo. De outro modo se verá mais o riso contido quando um criminoso preso reconhece um canalha livre.

    Há a poesia como inventário das desgraças, meio que feita de retalhos corrompidos que morre na boca do algoz que a inscreve. A poesia possui essa dualidade cósmica de terras sem horizontes murados, de platônico sólido curvilíneo, esférico, é de uma simultaneidade essencial, como diz Bachelard, está no agora e além dele, daquele que investiga o imediato.

 Ao mesmo tempo nos lugares criados, no meio, na dinâmica de sua materialidade, e de sua metafísica, do pensamento liberto, imaginário, sonhador, de uma sociabilidade unificada no leitor, um outro poeta, poeta do entendimento, alguém que se perde e se reencontra como um ser que Lukács, uma alma social não pode ser naturalizada, por uma íngreme natureza, flagelada de fato, e autossuficiente.

    Escreva um poema, se diz, conte o que a sua alma sufoca, ou nada disso. O que importa se acabamos de seguir as regras nominalistas de um fazer já feito, não se pergunta, amontoa-se as respostas, questiona-se na lida. É assim que se faz.

    E é muito fácil os concursos de poesia onde se dignam ao tema, a um modo de comportar, o que devem fazer, como fazer, para que se mantenha como algo que instrumentaliza os que poderiam criar a serem apenas justificativas sórdidas de suas ideologias.

    É um formulário de aceitação, de convicção perdoada. É um pedido para uma feitura. Um trabalho com metas, seguindo uma escala de validade, funcional em si.

    Mas essa escrita, se não matou,  morreu; o que ainda temos para o jantar é o poema, a poesia e sua poética, tudo que faz a escrita, e tudo que dela se perde. Porque o verdadeiro poema passa do limite, derrama a tinta do vinho,  faz que parte no fogo da tarde, faz que rubro se esparge na boca da noite, e se mostra lilás. 

    É para onde vai o poema, o que dele foi derramado, tingir o céu de esperança, casar com a beleza.

    Eu me deixo sem escrever nada, nenhuma palavra sai de minha boca, o que tenho a oferecer já foi oferecido por verdadeiros artistas, desconhecidos de fato, apenas retinidos me taças cheias, mas lidos.

 

    Tenho em mim que os cortadores de grama se mantêm no ofício, e que deixem em paz os jardineiros. Se são custosos de encontrar, de fato os são assim mesmo, e se trombamos no meio das papeladas, das podas erradas, por puro acaso, melhor que assim se faça ante a clara noite que os dias se mostram, de sol sem raios.

    Eu os vejo nas noites, quando o dia começa ainda cedo para os costumeiros, e durante as tardes que para mim sempre se iniciam antes da hora, e aparece assim, sem aviso. Verdadeira ousadia dos enganos. É como colher flores nos caminhos e por no vaso antes que murchem e sequem.

    Apenas para os olhos, por causa do perfume, por um atrativo ante ao cruel da vida arrumada nos canteiros, que elas saiam de lá dilapidadas nas lentes de Spinosa. Sejam assim colheitas fugidias, desenganos. Melhor a morte em casa do que nas guerras arrumadas de jardins planejados.

    Aquilo deve ser uma solidão devastadora, falo dessas folhagens floridas, delas.

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                Charlie


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