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LOS ABRAZOS ROTOS DE ALMODOVAR




A revelação da arte se realiza com a conformação da cor, e a expressão da cor condiz com a personalidade do artista, e o uso da luz tenciona os objetos a um sentido. Los Abrazos Rotos se ilumina com as formas significativas nas personagens que definem um caminho, uma direção cujo sentido está determinado.



A trama parece simples mas é lotada de simbologias. A história conta que Lena deseja ser atriz, e tentou isso antes e acabou prostituta. Conquistou o dono da empresa Ernesto Martel (combatente) onde trabalha como secretária bilingue e pode galgar certa posição social. O dono da empresa a queria junto de si como um desejo que não se extingue. Podia fazer o que bem quisesse conquanto não saísse de seu patrocínio. Assim um cineasta também a deseja como forma da beleza, e sabe que a tendo teria o patrocínio que viria junto. Beleza e dinheiro em verdade, somam-se num negócio de resultados no caso do filme. Ele se apaixona pela atriz e ela por ele. O patrocinador pede a seu filho que filme todos os acontecimentos da vida da amada como um making off de sua paixão, um raio x, algo que está atrás dos fotogramas, das imagens, e ele o faz. Os amantes são descobertos e fogem. Na perda da beleza, o patrocinador modifica o filme para torná-lo medíocre a fim de não obter o sucesso esperado. As ações contrárias de um filme compreendem histórias diferentes numa edição quando está em jogo uma ideologia, um investimento e certa beleza.



A trajetória, a partir desse olhar faz com que a beleza morra, o cineasta torna-se cego e pede sua razão de ser, e o patrocinador morre. Sem a beleza, sem o cineasta e sem o patrocínio não há cinema.



Mas algo se dá diferente do que se espera. Judit que é a secretária carregadora de tralhas, ela não deixa de levar tudo quanto possa e guardar, ajuntar e proteger. É uma mulher obsessiva, apaixonada pelo cineasta Harry Caine, nome com um misto de significado interessante: aquele que causa problemas e trai, na expectativa do que tiver de melhor para uma função. Judit cuida dele, do cego amado que teve com ele um filho. Ele nunca soube, diz ela, mas trata o menino como um verdadeiro pai. A secretaria faz tudo não poderia ter outro nome senão Judit (nome bíblico) que é tanto a quem se deve dar louvor quanto ser capaz de decapitar o amante por uma causa. Nesse sentido ela possui o amado cego e um filho com ele, uma “família”. Conquista uma posição de quem é o carregador infindável de coisas. No feedback que faz para Diego, o cineasta Mateo Blanco/Harry Caine mostra que Judite foi ao apartamento da praia pegar as coisas deixadas (lá vai ela a secretária carregadora de tudo), as fotos estavam num saco plástico e já estavam rasgadas. Assim como foi decepada a cabeça de Holofernes pela Judite bíblica, Almodóvar indica que a Judite do filme decepa as cabeças das fotos dos amantes.



Vejo no filme a ação de um conto, de um início que se embrenha em busca de sua razão e se finaliza numa retomada dos motivos porque se realizaram.



A bela está com o feio e velho Ernesto Martel, roto. Como um pintor usa a escada para alcançar o seu espaço de pintura. O velho e feio tem uma obsessão por uma beleza que sabe não se lhe interessa. O cineasta a deseja como uma eliminação de um filme e a feitura de uma realidade de filme. Como que a tivesse enquanto a desejasse, e assim a bela o deseja enquanto o filme não alcança os resultados de sua necessidade e o velho e feio patrocinador não alcança para si o retorno da beleza. Para se dar todo o certo, uma coisa não se ajusta à outra: o feio e velho é o patrocinador, a bela é a razão dos interesses, e o cineasta é o realizador da obra. A obra se dá pelo patrocínio e pela beleza, mas a beleza só existe por seus interesses, o patrocinador é apenas um veículo de confirmação e o cineasta é o sujeito que realiza na dependência do patrocínio e do belo. O roteiro e a construção pode ser o que for como uma comédia sobre traição e assassinato, um golpe com drogas.



O desejo aparente de não haver uma ética, que tanto faz ser profissional bilingue numa grande empresa ou prostituta, o que importa são as vantagens do negócio e a resposta evidente para a vida: ter mais poder, comprar, ganhar, vencer, sucesso. Não interessa o filme que se faça conquanto se garanta a venda da beleza numa retomada evidente do negócio que, ao invés de ser feito ao varejo é realizado no atacado. É fato sub reptício que o filme trata de um mercado. Nesse sentido a ética do mercado é o negócio com resultados.



O olheiro documentarista feito por um raio x o nome do filho do patrocinador Ray X. Evidente que mostra o que se dá longe da visão controladora de um patrocinador, um making off se faz necessário quando está em jogo a sua beleza e o seu dinheiro ou o contrário.



No fim das contas o documentário entre vida e morte da beleza é onde se projeta o filme, o documentário e o documentário filme comédia realizado pelo cineasta a custa do patrocinador e de sua amada Lena.



A comédia é por fim realizada por Diego (Ego cortado?) na moviola, o filho dividido faz o filme. Os olhos do pai Matteo Blanco (que deixa de ser Harry Caine) cego acompanham a edição com os olhos do filho e graças a Judite que guardou o copião.



Outras simbologias entram para engordar as cores significativas de um vermelho profuso; de amarelos e dourados, de preto e paisagens azuladas. O “quebra cabeças” das fotos rasgadas recomeça, provavelmente haverá mais um caminho para se buscar a beleza e a refazer da memória à realidade. Matteo Blanco (aquele que ainda não está preparado) poderá voltar a ser um Harry Caine da vida. Não há como juntar o desejo com as mãos porque tudo se faz em pedaços.





Elenco Principal:





Penélope Cruz .............. Lena



Lluís Homar ................. Matteo Blanco/ Harry Caine



Blanca Portillo……….. Judit García



José Luis Gómez........... Ernesto Martel



Rubén Ochandiano........ Ray X

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