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Qualidade de vida para uma vida de qualidade

QUALIDADE DE VIDA PARA UMA VIDA DE QUALIDADE
A NECESSIDADE DA ARTE PARA O DESENVOLVIMENTO ÉTICO DO SUJEITO




*  Pedro Moreira  Nt., 


 Maria Sara de Lima Dias;  
Ana Koehler Pires


Resumo:
Ao questionar o tema qualidade de vida em relação às políticas publicas da cidade e partindo do pressuposto de que a arte influi no cotidiano do sujeito, tendo como referência as atividades artísticoculturais desenvolvidas no Centro de Criatividade de Curitiba (CCC), este artigo aborda a importância da arte como propulsora da inserção do sujeito em relação à sensibilização estética na comunidade em que abrange. Através de pesquisa qualitativa e quantitativa, se buscou dar visibilidade a repercussão da arte na qualidade de vida dos usuários do sistema CCC. Como resultados parciais da pesquisa se apresenta a importância das atividades culturais na comunidade, influindo principalmente no olhar estético sobre a cidade, no desenvolvimento de novas relações interpessoais, e na potencialização do sujeito ao descobrir seu poder criador e sua capacidade de sensibilização ética através da arte.

Palavras chave: educação, arte, gestão em políticas publicas e subjetividade.


Introdução

Este artigo é produto de um processo de pesquisa de um curso de especialização que envolve a temática da qualidade de vida, e se relaciona à construção de Políticas Públicas em Educação e Cultura. O olhar de autores de diversas áreas do saber, pretende questionar a arte e sua abrangência estética na comunidade de Curitiba. O projeto piloto foi realizado entre os freqüentadores do Centro de Criatividade de Curitiba ( CCC), órgão da Fundação Cultural de Curitiba (FCC). Compreende-se que a arte a se relaciona com a cultura e permite a expressão ética da cidadania. A pesquisa foi realizada junto aos usuários do CCC (equipamento da Fundação Cultural de Curitiba, que tem seu funcionamento desde 1973). O CCC que é um dos principais equipamentos culturais da FCC, existindo a mais de 30 anos formando, educando e atuando junto às comunidades através de ações artísticas, sociais e culturais.
A temática da qualidade de vida está empregada de múltiplas formas, dentro dos  objetivos da administração pública, no entanto com freqüência tal tema não faz nenhuma relação com a arte ou a sensibilização estética do sujeito que participa da comunidade. Tampouco os equipamentos destinados à promoção da artes, fazem relações com a qualidade de vida dos usuários de seus serviços. Assim qualquer serviço de utilidade pública só pode ser medido através da qualidade de vida que proporcionam às pessoas.
Atualmente o interesse da administração pública em conceitos como "padrão de vida" e "qualidade de vida" é partilhado por cientistas sociais, filósofos e políticos, neste artigo a preocupação com o conceito de "qualidade de vida" refere-se a um movimento dentro das ciências humanas no sentido de valorizar parâmetros mais amplos da expectativa de vida. O termo qualidade de vida é pesquisado em um sentido mais geral e inclui portanto uma variedade potencial maior de condições que podem afetar a subjetividade do sujeito envolvendo a sua percepção da arte, seus sentimentos e comportamentos relacionados com o seu funcionamento diário, incluindo sua condição de saúde mas não se limitando a esta.
As intervenções públicas da FCC na cidade de Curitiba, tem promovido nos últimos anos, um olhar multifacetado sobre a cidade, que tem sido percebida como local de atração para mais de 3000 mil turistas diários. A capital tem se transformado em capital da educação, das artes e da cultura, ocorrem para o centro urbano apresentações em festivais variados que vão do cinema, ao teatro e ao estímulo à musicalidade em suas várias vertentes.
A administração pública, se valoriza por implementar ações que permitem à Cidade estar entre as primeiras no ranquim mundial da qualidade de vida, no entanto é preciso recorrer a alguma historicidade sobre o conceito. A qualidade de vida é um conceito que se desenvolveu ao longo do século XX e algumas definições nos auxiliam a compreende-lo  "É o conjunto de condições objetivas presentes em uma determinada área e da atitude subjetiva dos indivíduos moradores nessa área, frente a essas condições".(HORNBACK, et all, 1974). Ou ainda,  "São aqueles aspectos que se referem às condições gerais da vida individual e coletiva: habitação, saúde, educação, cultura, lazer, alimentação, etc. O conceito se refere, principalmente, aos aspectos de bem-estar social que podem ser instrumentados mediante o desenvolvimento da infra-estrutura e do equipamento dos centros de população, isto é, dos suportes materiais do bem-estar". (SAHOP, 1978). "É a resultante da saúde de uma pessoa (avaliada objetiva ou intersubjetivamente) e do sentimento (subjetivo) da satisfação.
Assim convém questionar quais são os aspectos objetivos e condições percebidas pelos sujeitos como promotoras do bem estar geral da população. Quem são estes sujeitos que buscam estes equipamentos sociais que fornecem os suportes para uma avaliação positiva de bem estar em relação a uma vida de qualidade na comunidade.  
Em primeiro lugar a saúde geral do sujeito depende muito da identificação das necessidades e satisfação dos desejos e aspirações assim o conceito de qualidade de vida envolve uma série processos subjetivos como: a satisfação adequada das necessidades biológicas, culturais, sociais e dentre estas a necessidade da arte. As necessidades humanas resolvidas na relação cotidiana do sujeito com o lugar que habita, permitem a conservação do equilíbrio e o desenvolvimento da vida. Uma cidade que oferece um ambiente propício à segurança e à multiplas possibilidades culturais desenvolve uma saúde social através de novas e criativas interações sociais. Os processos de aprendizagem e vivencia estética dão lugar a um processo de comunicação ética e sensível entre os seres humanos, a sensação de pertencimento ao lugar, o conforto percebido da beleza, permitem uma base de estabilidade psicológica criativa.

Origens da qualidade de vida na política publica 

  1. O termo foi utilizado pela primeira vez pelo presidente americano Lyndon Johnson em 1964 ao afirmar que: “(...) os objetivos a se alcançar, não podem ser medidos através dos balanços dos bancos, eles só podem ser medidos através da qualidade de vida que proporcionam às pessoas.” O sentido qualidade de vida vêm de encontro a políticas públicas para as garantias de bem estar social do sujeito, apesar de que as medidas possíveis de qualidade de vida situam-se ideológicamente no liberalismo atual, ou o neoliberalismo onde o conceito* é utilizado diferente do sentido de vida de qualidade.



As dimensões da qualidade de vida

Segundo a Organização Mundial de Saúde - OMS - (1994), qualidade de vida
é a percepção do indivíduo, de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação às suas metas, expectativas, padrões e interesses (FLECK et alli, 1999, p.34). Pretendeu-se ao aplicar este conceitual ao setor público  investigar sobre a sua necessidade e importância da arte em relação aos aspectos do desenvolvimento ético do sujeito enquanto um ser histórico e cultural.
De outra forma o setor público determina serviços e que se faz necessário compreender a sua integração junto à comunidade , definida como:“ Grupo de pessoas, parte de uma sociedade maior, que vivem em uma determinada área e mantêm alguns interesses e características comuns."É uma unidade social com estrutura, organização e funções próprias dentro de um contexto territorial determinado" (SAHOP, 1978). Nesse sentido qual seria a percentagem de visitantes, colaboradores que se interessaram e deram continuidade ao conhecimento das artes e quais as implicações da do aprendizado da arte na vida das pessoas, são questões norteadoras que se relacionam com as atividades socioculturais desenvolvidas e sua co-responsabilidade junto à comunidade em que se instala.
 A qualidade de vida e o sentido de uma vida de qualidade fazem relacionar o Centro de Criatividade de Curitiba como espaço histórico e cultural fomentador das ações socioeducativas, envolvido em  processos de elaboração e criação artística através de suas oficinas de vários segmentos artísticos como artes plásticas, música e artes cênicas que se intercambiam e se mostram junto à comunidade como necessários ao desenvolvimento da pessoa, ampliando a  capacidade de percepção artística e responsabilidade civil no sentido de que a arte impulsiona os sujeitos a se encontrarem condignamente ao bem da expressão artística em sua capacidade crítica, estética e cultural. Determina-se que essas atividades desenvolvidas estão acompanhando a política cultural do município.
A quantidade e qualidade das atividades do CCC e sua co-responsabilidade como equipamento responsável por dinamizar a experimentação e conhecimento através do fazer artístico necessita de uma pesquisa que possa demonstrar e dar visibilidade à sua atuação comunitária. Foi considerado um grupo de alunos como representantes significativos das ações desenvolvidas no CCC. Outra dimensão da qualidade de vida é a arte. Considera-se que a atividade artística é ontogenética, pertence ao desenvolvimento histórico da humanidade. O sujeito se apropria da experiência estética e a reproduz em uma linguagem historicista, daquilo que ele já aprendeu da sua comunidade, de tudo que lhe foi dado conhecer, e que ao mesmo tempo lhe permite resignificar o seu ser e o sentido de pertencimento a comunidade. Compreendendo a sua necessidade de compartilhar o conhecimento adquirido em novos e determinados espaços de realidade. Não guarda para si o saber porque em sua estrutura gregária se faz necessário a comunicação para a existência ou afirmativa de um saber adquirido. Trata-se do sentido do belo, do estético a partir do olhar dos freqüentadores em cursos de arte.

O desenvolvimento da pesquisa
Para se conhecer os meios pelos quais os processos de inserção do sujeito no conhecimento da arte, alteram a qualidade de vida e sua sensibilização cultural. O instrumento possibilitou uma análise (quali)quantitativa de vários aspectos que se relacionam com uma vida de qualidade. Foram analisadas as ações desenvolvidas pela quantidade de projetos, grupos participantes, inscrições por tempo determinado e relatórios realizados por professores e setores administrativos. Objetivando conhecer a importância do CCC junto à comunidade a partir do cumprimento das políticas públicas municipais em relação à  inserção cultural e sensibilização estética, foram entregues 50 questionários para os alunos freqüentadores de às atividades do CCC, preservando a identificação dos respondentes. Considerando que devemos procurar historicamente as situações que, progressivas possibilitaram o desenvolvimento sensível do sujeito, onde ele está integralmente fundado e, devido a isso reflexivo e crítico de sua realidade.
 Foram analisados 44 (quarenta e quatro) questionários, abordando temas: o tempo quem que freqüenta atividades artísticas, a crença de que a arte modifica a qualidade de vida das pessoas, o grau de satisfação com as atividades desenvolvidas, a oportunidade de acesso, as ações inovadores na arte, o relacionamento interpessoal propiciado pelo espaço do CCC – Centro de Criatividade de Curitiba, distribuídos em questões centradas na temática da qualidade de vida. Tal levantamento das entrevistas foi submetido a um procedimento de análise quantitativa e qualitativa, baseada em Rey (2002, p.28) “O social surge na rota única dos indivíduos constituídos em uma sociedade e uma cultura particular”.  Oferece um panorama de que o conhecimento é uma produção construtiva-interpretativa, considerando o caráter interativo da produção do conhecimento e a significação da singularidade como nível legítimo da produção do conhecimento. Os resultados obtidos dos freqüentadores nos permitiram reconhecer o impacto da arte para uma vida de qualidade, através da percepção de como constroem seus conhecimentos artísticos e as possibilidades de seu desenvolvimento perceptivo e expressivo da cidadania. Compreende-se uma visão ampla das circunstâncias inscritas em cada sujeito singular na busca de uma dinamização coletiva de seu aprendizado no que se refere ao desejo do aprender. A arte tem relação com a cidadania e o direito de aprender de conhecer e de sensibilizar. O artigo produto deste processo de pesquisa está didaticamente distribuído em três partes que se inter-relacionam para demonstrar como o sentido de vida de qualidade é promovido nas esferas do conhecimento da arte no direito do cidadão ao acesso e de sua possibilidade crítica.    

Analise quantitativa

Dos 44 questionários voluntariamente respondidos na pesquisa, 28 pessoas freqüentadoras do CCC têm idade acima de 40 anos. O quadro abaixo demonstra a distribuição etária da amostra pesquisada.
Tabela1. Distribuição etária dos freqüentadores

Dos respondentes, usuários, 26 frequentam o CCC, a mais de um ano, quinze a mais de cinco meses e 3 entre cinco meses e um ano. Sobre a satistação com os serviços ofertados, 90 % encontra-se muito satisfeito ou satisfeito com o desenvolvimento das atividades artísticas. Com respeito a oportunidade de acesso aos serviços 90% consideram como muito bom, em relação ao tempo que dedicam a arte, 89% acreditam que é muito bom, e o restante afirmam que poderiam se dedicar mais a arte. Com relação ao desenvolvimento de novas relações pessoais, 85% acreditam que estabeleceram boas relações com novos colegas e professores no CCC. Sobre o apoio que o CCC fornece no desenvolvimento das atividades artísticas e sobre a inovação e do conhecimento em arte 89% afirma que existem na Cidade de Curitiba oportunidades de aprendizado da arte. Sobre se a arte aproxima as pessoas 95% responderam que sim, e sobre a melhora geral do estado de saúde física e mental 99% responderam que sim.  Sobre se a arte modifica a qualidade de vida das pessoas, o quadro abaixo demonstra que em sua totalidade os respondentes afirmaram que sim.
Tabela 2. A arte modifica a qualidade de vida das pessoas.

Analise qualitativa: a arte de compartilhar o saber sensível

A atividade artística do paleolítico se manifestava como meio de comunicar a experiência do sujeito envolto na natureza.  O fato de ser gregário, de viver em comunidade provocou essa necessidade da arte, da troca conjunta do que era possível aprender nos percalços dos acontecimentos. Antes de tudo o mais que possa ser estético a função da arte estava comprometida com a sobrevivência, portanto, se o teatro apresentado, dançado em relação aos perigos de um estado de natureza selvagem eram acomodados a rituais nascentes através da imitação gestual, sonora, do tato, da imagem representada era porque havia essa importância de uma artisticidade inerente à comunicação. Fossem perigos, sorte, respostas positivas, a expressão ritualizada e ao mesmo tempo mágica e artística provinha da necessidade de segurança a um futuro indeterminado, em se desejar garantir a vida. Conforme os comentários dos frequentadores do CCC, sobre a arte na vida das pessoas: “-Permite a possibilidade de expressão e criação entre outros”. “-Nos torna mais sensíveis”. “-A arte transforma o ser humano ele pode expressar seus sentimentos, vontades e torna ilimitado nas suas conquistas”.- O ser humano precisa de cultura, arte, espontaneidade faz parte dele, a arte torna o homem melhor.-Todo o tipo de arte é um tipo de terapia e a partir dela é possível desenvolver várias habilidades, melhorando muito a vida do indivíduo.”
Na perspectiva das cidades modernas, a arte tornou-se um artigo de luxo, onde poucos alcançam dela os direitos de constituir os meios para a subsistência e mesmo de seu deleite. Entre viver da arte como artista e possuir as ferramentas culturais para a percepção, a estrutura da cidade atual, apesar de oferecer várias possibilidades para o olhar não oferece a todos os mesmos direitos de acesso e visibilidade artística. Motivo porque o aprendizado da arte tem custos e os processos estruturantes exigem dos sujeitos um investimento que nem sempre se lhe dá como possível. No entanto, o CCC\FCC promove atividades gratuitas que se intercambiam entre bolsas de estudo, e atividades relacionadas a artistas convidados que, devido a uma política de prestação de contas pelas leis de incentivo promovem a inserção artística e cultural entre outras atividades subsidiadas por entidades de apoio que realizam parcerias com a instituição no sentido de somar forças entre o público e privado. Sobre o acesso que o CCC permite para a comunidade de Curitiba : “- Porque existe em Curitiba os parques e nestes a pessoa pode se encontrar também com a arte como é o caso do CCC.”
 O sentido de arte é antes de tudo fazer com as mãos, realizar por si mesmo algo que seja especialmente traduzido, alcançando na forma um objetivo que se revela na capacidade perceptiva. Na Grécia antiga o artista era tido como um escravo, alguém que trabalhava para conduzir um sentido alegórico ao que os chefes da Polis solicitavam. Fídias, por exemplo, foi o maior de todos os escultores gregos reconhecidos e ao mesmo tempo era desprezado pelo motivo porque realizava suas obras com as mãos. Alguém que utilizasse das mãos para obter os ganhos e sobrevivência era considerado um cidadão menor porque o pensar, o filosofar, se aproximar da natureza, se ocupar da política e da guerra era considerado uma atividade nobre, de valor muito superior do que a arte. Diferente do que ocorria no teatro, desde Ésquilo, Sófocles e o grande Eurípedes que eram amados pela comunidade porque utilizava de um saber\fazer que se relacionasse aos rituais divinos, aos deuses e sua existência. Assim também se dava no Egito cuja história milenar é muito superior no tempo que a grega. Na China o artista devia cumprir uma ordem social e política para a manutenção de uma tradição e não chegava a ganhar muito pelo que fazia. O comércio, as atividades laborais, a guerra, a dinâmica comunitária reproduzia o sujeito na aventura da existência e a arte era também realizada para poucos. Sobre os espaços de Curitiba onde a Cidade permite o contato das pessoas com a arte: -“ Vemos vários espaços, exposições, teatros, shows, a preços bem razoáveis e até mesmo de graça, a cidade vem dando oportunidade de todos terem o acesso a arte.”- “Precisa apenas melhorar a divulgação de eventos menores, como festivais, teatros etc., para que as pessoas saibam o que acontece na cidade.”- “ Vivemos em uma cidade Verde, onde somos chamados para a Arte, e temos oportunidade de trabalhar a arte”.-“ Caso haja interesse público existem tantos espaços de arte com cursos de música, teatro nos parques que podem ser melhor divulgados.” 
A modernidade a partir do olhar de Baudelaire em a respeito do homem na multidão, a busca insaciável de um rosto, de uma forma que acompanhe a jornada existencial.
“A multidão é seu universo, como o ar é o dos pássaros, como a água, o dos peixes. Sua paixão e profissão é desposar a multidão. Para o perfeito flâneur, para o observador apaixonado, é um imenso júbilo fixar residência no numeroso, no ondulante, no movimento, no fugidio e no infinito. Estar fora de casa, e contudo sentir-se em casa onde quer que se encontre; ver o mundo, estar no centro do mundo e permanecer oculto ao mundo, eis alguns dos pequenos prazeres desses espíritos independentes, apaixonados imparciais, que a linguagem não pode definir senão toscamente. O observador é um príncipe que frui por toda parte do fato de estar incógnito. O amador da vida faz do mundo a sua família, tal como o amador do belo sexo compõe sua família com toda as belezas encontradas, encontráveis ou inencontráveis; tal como o amador de quadros vive numa sociedade encantada de sonhos pintados. Assim o apaixonado pela vida universal entra na multidão como se isso lhe aparecesse como um reservatório de eletricidade. Pode-se igualmente compará-lo a um espelho tão imenso quanto essa multidão; a um caleidoscópio dotado de consciência, que, a cada um de seus movimentos, representa a vida múltipla e o encanto cambiante de todos os elementos da vida. É um eu insaciável do não-eu, que a cada instante o revela e o exprime em imagens mais vivas do que a própria vida, sempre instável e fugidia.” (BAUDELAIRE, p.21, 1996)

Com o desenvolvimento tecnológico e o processo de reprodução da obra artística, como a gravura, a fotografia, o cinema, o vídeo e as novas tecnologias, a arte parece banalizada, no entanto, o que realmente acontece é que a arte se tornou de todos e os governos modernos, apesar de a utilizar em espaços urbanos para homenagear acontecimentos, personalidade, razões e funções determinadas como se deu em Roma e a conhecida Via Apia, historicamente a arte só poderia pertencer a espíritos valorosos que pudessem ter os meios suficientes para pagar o artista e reter aquele conhecimento para pequenos grupos. Ainda sobre a cidade os respondentes nos informam:- “Curitiba tem museus, teatros e casas de shows, grafites, escolas de arte e a maravilhosa arquitetura urbana da cidade.” “-Na medida em que a cidade disponibiliza cursos ao alcance de toda a comunidade e na medida em que possibilite às pessoas o contato com a arte a cidade se torna mais humana.”
Na modernidade inicia-se o processo de reprodução da arte, aquilo que era raro, caro e para poucos começou a se dimensionar de forma universal. O acesso a arte se deu por conta dessa possibilidade técnica. Uma questão latente se dá pela autenticidade, ou pelo sentido de aura que Benjamin (1996) enfoca como algo presente, pereceptível e único tornando-se “o filme é uma criação da coletividade”. Ainda sobre a cidade os respondentes nos informam: “- A arte desenvolve potencialidades e faz crescer o indivíduo com novas linguagem que propiciam a sua expressão.” “-O contato com a arte faz com que as pessoas possam se aproximar umas das outras e serem aceitas como são”.
O que a reprodutibilidade ocasiona é um sentido ampliado dessa percepção dada de uma única vez em sua quantidade, deixando de pertencer ao fato de ser algo que pode ser revisto, retomado, assistido outras vezes como é o cinema.
“A obra de arte reproduzida é cada vez mais a reprodução de uma obra de arte criada para ser reproduzida. A chapa fotográfica, por exemplo, permite uma grande variedade de cópias; a questão da autenticidade das cópias não tem nenhum sentido. Mas no momento em que o critério da autenticidade deixa de aplicar-se à produção artística toda a função social da arte se transforma. Em vez de fundar-se no ritual, ela passa a fundar-se em outra práxis: a política.” (BENJAMIN, p. 172, 1996)
A expressão artística tomou uma dimensão jamais imaginada antes. No entanto, apesar de alcançar uma grande quantidade de pessoas, não possui ainda assim uma presença cotidiana na vida das pessoas. Um dado a respeito (Ana Mae Barbosa org)
Baudelaire considera que o sujeito da modernidade não possui meios suplementares para alcançar um belo indissoluto e unívoco, parece incidir sobre a fragmentação do sujeito no sentido de que há muitos olhares para um mesmo tema artístico, e que há mais possibilidades, portanto, interpretativas que abrangem a percepção.
“O belo é constituído por um elemento eterno, invariável, cuja quantidade é excessivamente difícil determinar, e de um elemento relativo, circunstancial, que será, se quisermos, sucessiva ou combinadamente, a época, a moda, a moral, a paixão. Sem esse segundo elemento, que é como o invólucro aprazível, palpitante, aperitivo do divino manjar, o primeiro elemento seria indigerível, inapreciável, não adaptado e não apropriado à natureza humana.” (BAUDELAIRE, p. 10, 1996)

O sujeito que deseja aprender os meios estruturantes da obra de arte não é necessariamente um artista por empreender o feito de realizar pela técnica aprendida alguns procedimentos a ele apresentados, tanto novos, usuais como os canonizados. No entanto, na esfera do conhecimento, e no sentido da sensibilização ou da sua aproximação com  a arte, a atividade do aprendizado supõe a motivação do educador em lhe oferecer caminhos diversos para o despertar de sua percepção ou o seu aguçamento caso tenha o hábito natural de realizar visitas a museu, assistir ao teatro, a exposições de arte, de se fazer presente como alguém que é capaz não tão somente por analogias, mas pelo aprendizado. Ainda sobre a cidade os respondentes nos informam:”- Do ponto de vista dos museus a arte ainda é elitista o trabalho me parece mais voltado para números. Quanto ao espaço existe na cidade, porém a arte não é vista com a seriedade que deveria. É pouco valorizada ou talvez não existe o interesse em desenvolver o potencial artístico das pessoas, pois a arte torna o cidadão mais crítico e reflexivo.”. São conhecimentos instrumentais em ateliers, oficinas e cursos de arte que se relacionam como processos perceptivos da expressão artística e as políticas públicas e gestão em educação que se relacionam com a quantidade e qualidade da arte nas atividades desenvolvidas nos espaços culturais e sua resignificação nos sujeitos através da sensibilização e produção criativa em arte. Ainda sobre a cidade os respondentes nos informam:- “Muitas atividades acontecem na cidade porém são pouco divulgadas. Eu pego o guia aqui no CCC e quando comento com conhecidos eles procuram no guia as as amostras de cinema, de dança e as outras atividades, porque não sabiam de outra forma.”
A arte se ensina, mas nem todos que a apreendem desejam, ou se interessam ou desenvolvem a atividade profissional do artista. O que mais interessa é a disponibilidade do espírito, ou melhor, do sujeito que se faz presentificado no seu tempo social, político, histórico.  Ainda sobre a cidade os respondentes nos informam:- “Há que se levar a arte com mais freqüência permitindo o acesso para mais pessoas.”- Há diversas iniciativas no CCC com muitas possibilidades como o teatro, a musica ao alcance das pessoas, o CCC facilita o contato da comunidade com a arte”.
 As políticas públicas em educação não se restringem ao formal, e à atividade laboral técnica. A expressão artística e a dinamização do ensino em que se traduza o amor pela arte também promovem o sujeito fruidor e crítico de sua realidade. Nesse sentido, o aumento do grau de visibilidade de um tempo não é feito apenas pela educação formalizada em sua pedagoga estruturada, mas pela diversa e múltipla ação da cultura e sua pertinaz obrigatoriedade em todos os níveis socioculturais, promovendo a interação, aproximação de saberes e o irrestrito da sua sensibilização pelos valores de sua cultura, de cidadania e responsabilidade civil. Diferente de ações não físicas, virtuais que operam com esquemas de jogos e definições pré-concebidas, a arte nos espaços culturais propicia o aprendizado do “eu” interior identificado na construção artística.
Todas estas condições sociais que fundamentam os prejuízos da“formação”, cada vez mais desumana, vêm constituir a essência do conceito de  “indústria cultural” que atualmente se reafirma na consolidação da chamada “realidade virtual”. É o “virtual” que se torna “real” substituindo a “realidade” que se “converte” em “virtual”, desertando idéias, sentimentos e valores dos sujeitos em suas relações com o mundo objetivo – seus familiares, amigos, colegas de trabalho, vizinhos, conhecidos, companheiros de ideais, companheiros de lazer –, desagregando seu “eu” interior. (FERREIRA,  p. 1237, 2004)

A arte humaniza porque destitui a sua ausência na comunidade, tornando-a objeto de conhecimento natural, possibilitando a todos o direito de realizar a sua expressividade compreendendo sua abrangência estética na comunidade. . Ainda sobre a cidade os respondentes nos informam:- “ Através da arte temos mais disposição porque nossa vida muita muito com a arte, estamos sempre criando coisas.” .O direito à arte, ao conhecimento estruturante e sua realização se dá em vários sentidos no sujeito singular. Ele pode aprender a aprender e isso o promove potencialmente a um educador na comunidade, repassando seus interesses, o desenvolvimento de técnicas e aperfeiçoamento, iniciação ao estudo e conhecimentos artísticos. Nesse sentido, o perceber, sentir e realizar se equiparam à refletividade, à atualização que promove uma reificação do sujeito no estado de aprendiz, de sabedor a saber, de estar no processo de conhecimento e ao par dos acontecimentos limítrofes entre os programas de qualidade de vida e sua subsunção ao seu projeto por uma vida de qualidade. . Ainda sobre a cidade os respondentes nos informam:- “Acredito que a cidade de Curitiba, deveria promover mais a arte em locais públicos, facilitando o acesso aos museos e teatros disponíveis.” –“ Existem muitos espaços e programas culturais em parques e praças, mas é sempre uma boa oportunidade para melhorar e investir cada vez mais na arte, para tornar melhor a qualidade de vida na cidade e a vida de qualidade de seus habitantes”. O sujeito singular torna-se, portanto inserido no contexto social e capaz de realizar a sua crítica cultural e política.  A seguir deparamos com as considerações deste trabalho a partir das análises de dados e sua abrangência em relação à comunidade que faz necessário e pertinente a existência de um Centro de Criatividade.

Considerações finais
Diante das situações vivenciadas  nessa pesquisa e os resultados obtidos algumas considerações se fazem necessárias, é a própria fala dos usuários do equipamento cultural que disponibiliza conhecer o impacto das ações de arte. A qualidade de vida é complexa, e trata-se de assunto que envolveu as questões abordadas no instrumento de coleta, sejam elas: sobre os meios propícios para o desenvolvimento das atividades artísticas, o tempo operante na atividade como freqüentador, a oportunidade do acesso, a inclusão cultural pela arte, as inovações percebidas, a socialização do conhecimento aprendido e sobre a importância da arte e sua expressividade.
Através das respostas obtidas sobre o impacto das atividades desenvolvidas pode-se aferir que a qualidade de vida é conceito que requer uma gerência social de políticas públicas, para atingir a vida de qualidade desejada dos sujeitos. Portanto, preexiste no sujeito uma intencionalidade pela criação e desenvolvimento da arte, que qualifica a sua vida, para além de um parâmetro esperado pelo serviço no setor público.
O Centro de Criatividade tem possibilitado à comunidade o aprendizado e conhecimento das artes, há uma continuidade das atividades iniciadas e os processos de elaboração, concepção, criação da obra artística tem influenciado aos freqüentadores da comunidade a perceberem o sentido estético da arte, modificando sua relação consigo mesmo e com o outro. Ao considerar a ação cultural desenvolvida no CCC, os resultados indicam que arte se faz reveladora de artistas e as apropriações do conhecimento artísticos e culturais permitem o desenvolvimento de pessoas com melhores valores em relação à sensibilização pelo outro, contribuindo para o desenvolvimento de uma cidadania responsável pelos equipamentos urbanos na modernidade na Cidade de Curitiba.

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*Apesar de parentes, os termos propiciam digressões contrárias, enquanto se fala e se abrange o pensar em qualidade de vida, estamos nos direcionando a programas prontos que devem ser cumpridos para o atingir metas, o contrário trata-se ao nosso ver de uma ideologia menos formalista, de antropologia cultural onde o sujeito possuidor de suas capacidades ativas realiza em sua vida as qualidades individualmente almejadas, sendo assim o sujeito é em verdade alguém autonomizado em buscar as qualidades vitais para a sua vida de qualidade. 




Referências

BARBOSA, A. M. (Org.)  Arte-Educação: leitura no subsolo, Cortez, 2008
BAUDELAIRE,
BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política, história sobre literatura e história da cultura, Brasiliense, 1996
FERREIRA, N. S. C.  Repensando e resignificando a gestão democrática da educação na “cultura globalizada”
FLECK, M.P.A. et alii. (1999). Desenvolvimento da versão em português do instrumento de avaliação de qualidade de vida da OMS (WHOQOL-100). Revista Brasileira de Psiquiatria, 21, 1.
Educ. Soc., Campinas, vol. 25, n. 89, p. 1227-1249, Set./Dez. 2004 1227
Disponível em
GUIMARÃES, L. A. M. (2000). Saúde mental, estresse e qualidade de vida no trabalho: interdisciplinaridade e saúde mental. Campo Grande: UCDB.
HEGEL, G. W. F. O Belo na Arte, Martins Fontes, SP, 1996
HORNBACK, R. E. et all. Quality of life. Washington D.C., Environmental Protection Agency, 1974. 222 p. (EPA - 600/5-73-O12 b).
SAHOP. SECRETARIA DE ASENTAMIENTOS HUMANOS Y OBRAS PÚBLICAS. Glosario de términos sobre asentamientos humanos. México D.F., SAHOP, 1978. p.175






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